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Volume 25 Número 1

Artigos originais

Relações entre a Bouba e a Pinta


A. PADILHA GONÇALVES1


1Assistente da Cadeira de Clínica Dermatológica e Sifilográfica da Escola de Medicina e Cirurgia ( Prof. Ramos e Silva)

Trabalho apresentado na VI Reunião Anual dos Dérmato-Sifilógrafos Brasileiros (Set,. 1949, Recife)

Correspondência:
Av. Ataulfo de Paiva, 1.079 Rio de Janeiro

 

Resumo

A bouba e a pinta são duas entidades mórbidas distintas e bem individualizadas, causadas respectivamente pelo "Treponema pertenue" e pelo "Treponema carateum", que apesar de apresentarem certas semelhanças entre si (morfologia e reações sorológicas idênticas), mostram ação patogênica diferente, tanto para o homem como para os animais de laboratório. Bouba e pinta exibem semelhanças e pontos de contato como acontece, aliás, com as treponematoses entre si, justificando assim esta designação de grupo, porém não suficientes para sustentar a teoria unicista da fusão de tôdas essas entidades numa só, denominada "treponematose". A hipótese tentadora e possível, levantada por outros autores, da existência pre-histórica de um só treponema, do qual por mutação se originaram os outros, não é ainda sustentada por provas definitivas. A pinta é um argumento contra a idéia unicista de que a bouba e o bejel seriam a sífilis modificada pela infecção secundária facilitada pelas condições higiênicas e sociais inferiores das populações atingidas, pois a pinta, sendo prevalente em populações com idênticas condições de vida, não apresenta as lesões ulcerosas e crostosas atribuídas pelos unicistas à infecção secundária da sífilis. A pinta e a bouba são doenças rurais, incidentes em pessoas de baixo nível social e econômico, propagadas principalmente por contágio direto, a favor do que fala a localização preferencial das lesões iniciais nas partes descobertas e sobretudo nos membros inferiores. As lesões da sarna podem constituir portas de entrada, facilitando o contágio. Não há transmissão intra-uterina, de sorte que não existem casos congênitos. Parecem não produzir lesões viscerais. A evolução de ambas é esquematicamente dividida numa fase recente e numa fase tardia. A bouba origina fenômenos infecciosos gerais, não vistos na pinta, e produz lesões cutâneas inteiramente diferentes das da pinta, exceção feita às lesões boubáticas sêcas, chamadas "framboesides", que são semelhantes às lesões pintosas da fase de generalização, denominadas "pintides". Na fase tardia, predominam, na pinta, as discromias, tomando a doença duas formas polares: a forma generalizada e a forma circunscrita. A forma circunscrita é caracterizada pela presença preponderante de discromia, sem ou com queratodermia localizada nas extremidades (pés e mãos). Este último tipo de manifestações tem sido descrito, embora raramente e por poucos autores, também na bouba. A meu ver, não foi afastada nos casos relatados como boubáticas, de modo indiscutível, a possibilidade de que se trate de pinta. Para a apuração diferencial da causa, não só dessas lesões discrômicas e queratodérmicas das mãos e pés, mas também das framboesides e pintides, é de grande importância, a pesquisa de treponemas levada a cabo por técnica adequada na linfa colhida nas áreas ativas dessas manifestações, uma vez que, segundo os conhecimentos atuais, os treponemas são facilmente encontrados na pinta, porém em tais lesões boubáticas a pesquisa deveria ser negativa. A prova final e definitiva do estudo da etiologia das lesões discrômicas das extremidades (eventualmente também em referência à diferenciação entre framboesides e pintides) seria fornecida pela inoculação no homem, com a reprndução da verdadeira doença causadora - bouba ou pinta. Nas inoculações por mim feitas em voluntários, com material desse tipo de lesões de pacientes residentes no Rio de Janeiro (um dos casos autóctone), consegui reproduzir sempre experimentalmente a pinta. A pinta existe no Brasil, em foco do grande endemia no Estado do Amazonas, e esparsamente, noutras localidades, tendo sido descritos casos comprovados no Rio de Janeiro, na Bahia e em Minas Gerais. Como conclusão dos meus trabalhos experimentais com a pinta, é possível afirmar que a pinta existe no Brasil fora do foco amazonense; que os casos de pinta diagnosticados no Rio de Janeiro são realmente de pinta; e que esta em nada difere da pinta observada clínica e experimentalmente no México e em Cuba e clinicamente nos outros países americanos, onde tem sido comprovada pela presença do "Treponema carateum" nas lesões. Poucas são as contribuições ao estudo da imunidade cruzada entre a pinta e a bouba. Têm sido vistos casos de pinta infectados naturalmente com a bouba. Experimentalmente, investiguei o problema, concluindo que a pinta pode evoluir conjuntamente com a bouba no mesmo indivíduo, porém os boubáticos revelam uma certa resistência, parcial ou total, maior ou menor, segundo o indivíduo inoculado, à infecção pelo "T. carateum". CONCLUSÕES 1. A bouba e a pinta são duas entidades mórbidas distintas, causadas por espécies diferentes de treponemas. 2. As semelhanças existentes entre as duas doenças justificam apenas reuní-las a outras, sob a denominação geral de "treponematose", porém não são de molde a fazer das duas uma única doença. 3. A pinta fornece um argumento contra a idéia unicista de que a infecção secundária, facilitada pelos hábitos higiênicos e condições de vida, é que traria as modificações clínicas morfológicas que transformariam o aspeto da treponematose única (sífilis), determinando a bouba e o bejel, pois sendo as condições em que a pinta é prevalente idênticas às da bouba e do bejel, não apresenta ela os tipos de lesões da bouba e do bejel atribuídas à infecção secundária. 4. Ao lado de lesões diferentes, tanto iniciais (de um do geral recentes) como tardias, a bouba e a pinta, produzem lesões sêcas, generalizadas, semelhantes e de difícil distinção clínica: as chamadas "framboesides" e "pintides". Nas pintides abundam os treponemas, enquanto que nas framboesides acredita-se que dificilmente são encontrados. 5. Na fase tardia da pinta predominam as discromias (generalizadas e circunscritas). As discrômias circunscritas às extremidades têm sido descritas por raros autores na bouba, porém a meu ver não foi afastada de modo indiscutível a possibilidade de que se trate de casos de pinta; não chego, entretanto, a ponto de negar que ocasionalmente a bouba e também a sífilis possam dar origem a tais lesões. 6. A diferenciação, entre as lesões sêcas e tardias da bouba e a pinta, repousa principalmente na pesquisa do treponema nas lesões por técnica adequada, que é positiva na pinta e, segundo os conhecimentos atuais, deveria ser negativa na bouba. A palavra final é dada pela inoculação no homem; é, porém, um meio ao qual não se pode recorrer rotineiramente. 7. A pinta existe no Brasil em foco de grande endemia no Estado do Amazonas e esparsamente em outras localidades, onde têm sido descritos casos perfeitamente comprovados. 8. A existência de pinta em casos isolados, e até alguns autóctones no Rio de Janeiro, não padece dúvida, pois, tanto clínica e laboratorialmente, como pela inoculação em homem, ficou cabalmente provado que são casos de pinta e em nada diferentes dos de Cuba, do México e de outros países americanos. 9. A pinta pode evoluir conjuntamente com a bouba no mesmo indivíduo; entretanto, experimentalmente foi constatado que os boubáticos revelam uma certa resistência parcial ou total, maior ou menor, segundo o indivíduo inoculado, à, infecção pelo "Treponema carateum".



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